segunda-feira, 25 de setembro de 2006

A força das relações interpessoais

Há fins-de-semana em que não acontece nada digno de registo. Há outros, como este, ricos em eventos que nos fazem reflectir.
Para mim, este fim-de-semana começou logo na Sexta-feira com uma ida ao teatro. Em Oeiras, no Auditório Municipal Eunice Muñoz, assisti a uma excelente interpretação da mulher que dá o nome à sala de espectáculos. Aos 81 anos, Eunice Muñoz mostra por que razão é considerada por muitos a melhor actriz portuguesa. Na pele de Miss Daisy, a actriz, juntamente com Guilherme Filipe e Thiago Justino (grande interpretação no papel de Hoke Coleburn) leva-nos numa viagem ao passado que de ultrapassado nada tem.

Escrita por Alfred Uhry, "Driving Miss Daisy" estreou pela primeira vez em Nova Iorque, em 1987, e conta a história de amizade entre uma idosa judia sulista e o seu motorista afro-americano. A primeira, uma mulher rica, culta e independente. O segundo, um homem pobre, analfabeto e marcado pela violência do racismo. Dir-se-ia que estas duas pessoas nada têm em comum que as possa levar para lá de uma relação estritamente contratual. Mas as aparências de facto iludem e, com o desenrolar da estória, apercebemo-nos que aquelas duas pessoas, tão diferentes entre si, caminham na mesma direcção, acabando por se tornarem no melhor amigo um do outro.

Ao longo de 25 anos, Miss Daisy e o seu motorista Hoke não só partilham o tempo, mas também lembranças, tristezas e alegrias. A diferença que inicialmente os separava e que era o reflexo da própria sociedade em que viviam, revela-se uma mais-valia para ambos. O motorista, que pensava nunca conseguir fazer mais do que ver as imagens do jornal, aprende a ler e a professora, que julgava poder viver sem a ajuda de ninguém, aprende que sozinha não é nada. A força da amizade que os une é por si só a prova de que as suas vidas têm significado e que quem tem amigos nunca está só.


No Sábado fui até ao cinema São Jorge ver o filme "Electroshock", um entre os muitos que fizeram parte do cartaz do 10.º Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa. Trata-se de uma estória simples, um pouco rudimentar do ponto de vista técnico, mas de uma forte carga dramática e emotiva. Também aqui se revela a importância do outro nas nossas vidas.

Algures no passado franquista da década de 70, duas mulheres, professoras, conhecem-se e a relação de amizade que as aproxima transforma-se numa relação do mais dedicado amor que o preconceito e a ignorância de uma sociedade fechada sobre si mesma tenta destruir com electrochoques.

Numa época em que homossexualidade ainda era considerada pela Organização Mundial de Saúde como doença, aquele era o tratamento cruel a que muitas mulheres e homens, com uma orientação sexual diferente da estabelecida, eram submetidos. As sequelas, essas, poderiam tornar muito difícil uma vida já de si bastante dificultada.

Três décadas depois, a homossexualidade já não é considerada uma doença, mas a diferença ainda é motivo para o escárnio e para o insulto. Quantos homens e mulheres se escondem ainda dentro do armário, sós e angustiados por não poderem ser o que são: simples homens e mulheres com desejos, sonhos e ambições em tudo semelhantes aos dos considerados "normais"?

domingo, 24 de setembro de 2006

Lembranças

Ainda te lembras?
Do teu ar malandro quando fazias deslizar a tua mão pela minha coxa e do teu riso meio nervoso sempre que insistias para que te desse um beijo.


Ainda te lembras?
Do quanto me desafiavas e como isso te divertia. Afinal, tu eras o gato e eu o rato numa perseguição quase consentida.
De como me desejavas e acreditavas que eu seria tua, tornando possível o impossível.

Ainda te lembras?
Da primeira vez que te vi/ouvi tocar e o quanto a tua elegante presença me fez arrepiar.
De como naquele momento a tua guitarra era eu e eu era a guitarra que vibrava com o teu suave dedilhar.


Amar-te e ser amada era novidade para mim e para ti. Por isso, em conjunto crescemos com as primeiras descobertas, com a partilha da primeira carícia, do primeiro beijo, da primeira noite de paixão... Em conjunto explorámos os nossos corpos e descobrimos o prazer que aflora quando duas pessoas se amam.





terça-feira, 19 de setembro de 2006

Felicidade para lá do sexo

No último número da revista Sábado saiu um artigo sobre um tema tão curioso quanto interessante: Assexualidade. Na verdade, o artigo dá-nos a conhecer pessoas (algumas casadas) que vivem felizes com a ausência de desejo ou consumação sexual. Alguns já o sentiram e deixaram de o sentir, outros simplesmente nunca conheceram o desejo sexual nem sabem o que é sentirem-se atraídos sexualmente por outros.

Segundo o mesmo artigo, e citando um estudo realizado por Anthony Bogaert, um estudioso canadiano sobre a sexualidade humana, um em cada cem adultos é assexual. Nos EUA, um estudo publicado no jornal Psychology Today diz-nos que 25% da população adulta estado-unidense sofre de falta de desejo.

Muitas vezes trata-se de pessoas saudáveis e sem traumas associados ao sexo ou ao corpo humano. A sua vida é tão ou mais feliz do que a dos outros. Simplesmente o sexo não é uma necessidade que desejam concretizar.

Numa sociedade tão sexual como a nossa, em que diariamente somos bombardeados com imagens sugestivas, seja em anúncios publicitários (lembro-me de alguns bem recentes a uma conhecida marca de cerveja nacional) ou em telenovelas (a SIC acaba de estrear uma nova produção ficcional cujo principal trunfo parece ser a presença de cenas de sexo, tantas vezes publicitada nas semanas que antecederam a sua estreia), não desejar alguém parece, no mínimo, uma aberração, dirão uns. Parece, mas não é, digo eu.

O que torna este mundo tão complexo e fascinante é precisamente a diversidade que nele podemos encontrar. É na diferença relativamente aos outros que encontramos a comunhão da partilha. De que serve conversar com alguém cujas mundivivências e mundividências são apenas mais do mesmo que eu tenho para partilhar?

Na minha opinião, é na diferença que podemos encontrar a união. Se quisermos pensar numa perspectiva sistémica, cada um de nós é uma parte de um todo que não é mais do que o mundo em que vivemos. Só que esse todo não é simplesmente a soma das partes, mas sim aquilo que a sua diversidade acrescenta e enriquece, imprimindo-lhe um movimento sempre perpétuo.
Como eu queria dizer-te que te quero,
Que preciso de ti como do pão para a boca,
Que te desejo e desespero...

Como gostaria de sentir o teu toque,
De saciar a minha sede nos teus lábios
E beijar-te como uma mulher que arde de luxúria.

Ah, e queria envolver-te nos meus braços,
Apertar-te contra o meu peito
E amar-te, amar-te até os nossos dois corpos ficarem cansados.

Queria contar-te os meus pensamentos,
As minhas fantasias e sonhos.
Queria partilhar as alegrias e esquecer as tristezas.
Queria mostrar-te o que de mais belo e puro há no meu ser.

Sou cobarde, eu sei.
Receio afastar-te só por te dizer que te amo,
De perder essa preciosa visão que é o teu sorriso.

Falta-me a coragem de arriscar e surpreender-te,
De me surpreender a mim própria.
Preciso de ti, do teu empurrão, da tua confiança transbordante.

Mas talvez não sejam precisas palavras.
Talvez sintas as vibrações que saem do meu corpo
E percebas o meu olhar suplicante.
Aí os nossos olhos cor-de-mel encontrar-se-ão e dirão a uma só voz:
AMO-TE!


06/02/2006

segunda-feira, 18 de setembro de 2006

Noite

"À noite, à noite, à noite, ela olha para o tecto e põe-se a pensar
À noite, à noite, à noite, ela põe-se a recordar
À noite, à noite, à noite, ela põe-se a sonhar, a sonhar
À noite, à noite, à noite, à noite..."

Noite
Pedro Barroso


"Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda de noite uma festa de fogo fizeram
Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram."

Estrela da Tarde
Ary dos Santos