quinta-feira, 26 de abril de 2007

Memória curta...

Passaram 33 anos desde a revolução dos cravos. Tão pouco e, no entanto, parece ter sido o suficiente para que tantas pessoas se esquecessem de como Portugal era um país mais triste e cinzento antes de 25 de Abril de 1974.

Quanto mais o tempo passa, mais o esquecimento aumenta. A memória fica mais fraca, os acontecimentos esbatem-se e a amnésia instala-se.

É com tristeza que todos os anos constato quão ignorantes são muitos dos nossos jovens em relação à revolução e ao que ela significou e ainda significa para todos os que, como eu, amam a liberdade. Mas é com maior pesar que oiço tantas pessoas que viveram na e com a ditadura dizerem que as coisas estão piores, que antes é que era bom, que de nada adiantou fazer-se a revolução...

Como pode a memória das pessoas ser tão curta? Como podem tantas pessoas olvidar-se de tempos tão difíceis para uma grande maioria da população, que durante décadas não viveu, antes sobreviveu a uma vida dura, de muito sofrimento e de privações constantes?

Privados de liberdade, de comida, de educação e de justiça, os portugueses eram um povo mais triste e mais inseguro. Não é preciso ter vivido esses tempos para saber isso e só quem teve o privilégio de não ter sentido na pele o peso da ditadura o poderá negar.

Podia ser melhor? Claro que podia! Pode e poderá ser sempre superior! Se não fosse a possibilidade de evoluirmos, de tentarmos fazer mais e melhor, de pouco valeria a pena vivermos. Afinal, como escreveu Camões um dia, «Todo o mundo é composto de mudança/Tomando sempre novas qualidades». A vida é isto mesmo, um movimento perpétuo que busca a perfeição, o sonho, a utopia...

Mas a demanda pela perfeição só é possível se tivermos sempre presente aquilo que não queremos repetir. Tal como não podemos esquecer que um dia milhões de pessoas morreram no Holocausto, também temos que ter sempre presentes as centenas de pessoas que neste cantinho à beira-mar plantado deram a sua vida por um ideal: a liberdade de viver.


No que depender de mim, a memória não se esbaterá. E, apesar de não ter vivido naquela altura, será sempre com nostalgia que assistirei a imagens do dia em que soldados foram recebidos com cravos e será sempre com emoção que escutarei Zeca Afonso cantar a Grândola Vila Morena...

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Para sempre Abril

Não importa sol ou sombra
camarotes ou barreiras
toureamos ombro a ombro
as feras.
Ninguém nos leva ao engano
toureamos mano a mano
só nos podem causar dano
espera.
...
Com bandarilhas de esperança
afugentamos a fera
estamos na praça
da Primavera.
Nós vamos pegar o mundo
pelos cornos da desgraça
e fazermos da tristeza
graça.

A Tourada, Ary dos Santos, 1972


Ontem apenas
fomos a voz sufocada
dum povo a dizer não quero;
fomos os bobos-do-rei
mastigando desespero.
Ontem apenas
fomos o povo a chorar
na sarjeta dos que, à força,
ultrajaram e venderam
esta terra, hoje nossa.

Uma gaivota voava, voava,
asas de vento,
coração de mar.

Como ela, somos livres,
somos livres de voar.

Uma papoila crescia, crescia,
grito vermelho
num campo qualquer.

Como ela somos livres,
somos livres de crescer.

Uma criança dizia, dizia
"quando for grande
não vou combater".

Como ela, somos livres,
somos livres de dizer.

Somos um povo que cerra fileiras,
parte à conquista
do pão e da paz.

Somos livres, somos livres,
não voltaremos atrás.

Somos Livres, Ermelinda Duarte, 1974

Nasci num país de silêncio e luta
E cresci rasteiro(meu pão era curto)
Não vendi a esperança
Nem pedi meu preço
De tudo o que vi
Nunca mais me esqueço
Fui vivendo à força
De suor e fome
...
Calaram-me a boca
Cortaram-me o riso
Mas estava de pé
Quando foi preciso
Em Abril, Abril
Em Abril-sem-medo
...
Nasceram razões
Nasceram braços
Nasceram canções
Nasceram bandeiras
...
Nasceu meu país
Meu país criança
Em Abril, Abril
Tempo de mudança
Meu povo, raiz,
Dum cravo de esperança.

Com Uma Arma, Com Uma Flor, Paulo de Carvalho, 1975

sábado, 14 de abril de 2007

De Tu Boca

Y que importa si en mis sueños no te encuentro,
este amor que llevo dentro no se tiñe no se borra.
Y que importa que ahora vive en tu cintura
como olas sin espuma recorro el mar de tu cuerpo.

Y que importa si al final ocupas todo
y me entrego a tu simiente
y te entregas como siempre

De tu boca dame mas que se me agota
tu recuerdo el ultimo intento
de vivir en un solo cuerpo
De tu boca donde mira mi ternura
donde apago el sol de mi hoguera
y en la sombra un beso me quema

Y que importa que la noche vista a oscuras
si tu rostro en vez de Luna mi cuarto menguante alimenta
Y que importa que la brise se desnude
si tu amor sopla de golpe y me arrastra en una nube.

Y que importa si al final ocupas todo
y me entrego a tu simiente
y te entregas como siempre

De tu boca dame mas que se me agota
tu recuerdo el ultimo intento
de vivir en un solo cuerpo
De tu boca donde mira mi ternura
donde apago el sol de mi hoguera
y en la sombra un beso me quema

De tu boca dame mas que se me agota
tu recuerdo el ultimo intento
de vivir en un solo cuerpo
De tu boca donde mira mi ternura
donde apago el sol de mi hoguera
y en la sombra un beso me quema
dame mas que se me agota
Dame mas que se me agota


Juan Luis Guerra, 1990

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Crónica de umas férias deliciosas

Seis dias, foram apenas seis dias e sinto que valeram por semanas. A intensidade com que os vivi e o deslumbramento que senti só hoje me começam a deixar respirar neste difícil regresso à vida real...

Parti para Bruxelas sem quaisquer expectativas. Da cidade não me tinham falado muito bem. «É cinzenta e fria», disseram-me. «Tudo bem, também não vou pela cidade, mas pelo meu amigo que para lá partiu não há muito tempo e a quem disse na altura "até já!"», respondi-lhes.

Claro que tinha a oportunidade de visitar uma cidade e um país que não conhecia, mas não era isso que me movia. Movia-me a amizade e essa foi sem dúvida a grande vencedora destas férias. Não só cimentei a relação que já tinha, como ainda ergui os alicerces de uma outra que espero ver crescer muito mais.

Fomos dois homens e uma mulher numa relação de companheirismo e quase cumplicidade. Nos passeios que fizemos, nos jogos a que nervosamente assistimos (Paulito, hoje sabemos que afinal não somos nós os culpados pelos maus resultados do nosso Glorioso. Podemos por isso continuar a assistir a jogos juntos), nas bebidas e na comida deliciosa que provámos (Bruninho, em boa hora compraste o Wok. Ficas lindo de frigideira na mão), na música que ouvimos (Juan Luis Guerra e Ivete Sangalo ficarão para sempre associados a estes dias)... Por tudo isto e por muito mais, valeu a pena.

E fica uma saudade... uma vontade de repetir a dose. Em Bruxelas ou noutro sítio qualquer...


P.S. a cidade surpreendeu-me pela positiva. Para tal muito contribuiram as condições meteorológicas, pois esteve quase sempre sol. Cosmopolita e com uma disposição arquitectónica agradável, vale a pena visitar. Aconselho particularmente um jantar no restaurante marroquino Kasbah, uma cerveja no bar Delirius Tremens e um copo de vinho de avelã no bar Coupil Le Fol. Não esquecer os deliciosos gauffres e chocolates belgas (alguns dos responsáveis por ter engordado 2 kgs!!).

fotos em http://carla-3s.hi5.com/

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Barreiras

A vida é feita de barreiras. Umas são rapidamente esquecidas de tão fáceis que são de ultrapassar, outras dificilmente saem da nossa memória pelo muito que nos custaram derrubá-las.

São muitas as condicionantes com que nos deparamos no nosso quotidiano. Elas podem ser mais ou menos desafiantes, mas estão sempre lá para nos lembrarem que a vida é um jogo que merece ser jogado com toda a nossa entrega e paixão. Contra tudo e contra todos.

Vem esta reflexão a propósito de um filme que vi este fim-de-semana. Imagine Me and You é um hino à vida e ao amor, mas é também uma lição para todos aqueles que vivem as suas vidas com medo de as viver realmente. No fundo, trata-se de um alerta para todos aqueles que não vivem, antes deixam que a vida lhes passe ao lado, escondendo-se atrás de obrigações.

O filme mostra-nos que não há barreira que o amor não ultrapasse e que quando ele é genuíno nada o pode parar. Que por mais pessoas que possamos desiludir, é a nós próprios que frustramos quando não temos coragem para assumi-lo.

Imagine Me and You é a constatação de que as barreiras existem para serem ultrapassadas e para valorizarem a nossa vida, que é de facto fascinante. Por mais que doa, dá prazer vivê-la.



Há muito tempo que não me identificava tanto com uma estória e nesta pude rever um pouco da minha própria vida.