quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Felicidade

Em Outubro de 2006 publiquei neste mesmo espaço o texto Sentir. Escrevia eu na altura que o Homem tem como única demanda a felicidade e que tudo o que faz na vida tem como grande objectivo alcançá-la.
Hoje a SIC passou uma reportagem especial sobre este tema. O que é que é a felicidade e o que faz os portugueses felizes? As respostas não variam muito, entre a família e os amigos, o amor e a saúde, quase todos apontam os mesmos meios para atingirem um fim comum.
A certa altura dessa peça há a referência à estranheza que é o facto de serem os povos escandinavos, nomeadamente os dinamarqueses, os que se consideram mais felizes. São das pessoas que menos horas de sol recebem por contraponto aos do sul da Europa, nomeadamente os portugueses, mas parece que isso não é motivo para andarem menos contentes com a vida.
Não foi a primeira vez que pensei nessa contradição que é o facto de os portugueses, que são o povo que usufrui de maior número de horas de Sol por ano, ser provavelmente o mais triste e nostálgico. Afinal apenas na nossa língua existe a palavra saudade...
Sabendo que a acção do Sol estimula a produção da serotonina, um neurotransmissor cerebral que regula, entre outras coisas, o sistema nervoso através da sua acção estimulante e calmante, pergunto-me porque razão são os portugueses tão negativos, tão propensos a queixar-se.
A verdade é que tudo tem a ver com a dimensão das expectativas criadas, algo também referido na reportagem. Ao que parece os dinamarqueses têm expectativas muito baixas, logo, tudo o que lhes acontece de positivo, surpreende-os e é motivo de regozijo. Imagino que um dinamarquês, tão habituado que está a um tempo cinzento, por exemplo, quando experiencia um raio de Sol, de tão raro que é, fica naturalmente satisfeito. Os portugueses têm o Sol como dado adquirido e a sua expectativa é ter quase sempre Sol. É terem uma Primavera e um Verão quentes por natureza. Se a sua expectativa está tão elevada, ao mínimo dia mais frio e encoberto, ressentem-se.
É engraçado, ainda esta semana estava a comentar com uma amiga que me sentia deprimida e que já nem podia apontar o Sol como desculpa. Dizia-me ela que as pessoas que estão com depressão ou que raiaram o seu limite é nesta altura que se ressentem mais porque percebem isso mesmo, que o Sol chegou e elas não se sentem melhor, pelo contrário, sentem-se mais em baixo porque vêem os outros felizes, a aproveitar a luz e o calor e elas não.
Apercebi-me que os portugueses são mais insatisfeitos porque são muito exigentes, porque colocam a fasquia muito alto, porque são sonhadores e fantasiam. De repente foi-lhes aberto um mundo ao qual estiveram vedados durante muito tempo. De repente também nós pudemos ambicionar algo mais. Dantes poucos eram os que nasciam com a expectativa de estudar, de ter um emprego que pagasse bem e lhes permitisse comprar bens que nem sequer conheciam. Se não tinham essa expectativa, a frustração não podia ser muito grande. Se não conheciam, não podiam desejar.
Lembro-me dos meus avós me contarem as tremendas dificuldades por que passaram, da fome que sentiram, do trabalho que tinham de realizar de Sol a Sol, de serem explorados... e da saudade que tinham porque no meio disso tudo conseguiam conviver com outros, cantar e até dançar. Não ambicionavam mais do que isso: alguns momentos de partilha e de alegria porque à partida as condições que conheciam não iriam mudar.
Imagine-se uma mulher que nasce sabendo que o seu destino não diferirá muito do da sua mãe e, antes desta, do da sua avó: ser analfabeta, casar com alguém que se calhar nem conhece muito bem e por quem até nem nutre grandes sentimentos, ter filhos e tomar conta da casa. Poderá dizer que está infeliz? Se calhar está mas nem tem consciência disso porque na verdade nunca parou para pensar que existe tal conceito.
Uma mulher do século XXI cresce com uma expectativa muito diferente de vida. Sabe que ao seu alcance está muito mais do que estava para a mulher de há um século atrás. Se de alguma forma não alcançar o que idealizou na sua juventude, então poderá sentir-se infeliz porque a infelicidade não será mais do que um tremendo descontentamento e uma enorme frustração das expectativas antes criadas.
Um desgosto de amor, por exemplo, não é mais do que o frustrar de expectativas. É isso que torna o processo de recuperação tão doloroso, aceitar que aquilo que se idealizou, que se esperou afinal nunca chegou a concretizar-se. O que me leva a um pensamento contraditório com tudo aquilo que na verdade acredito e pelo qual me continuo a reger, dando razão a Flávio Gikovate, psiquiatra e psicoterapeuta brasileiro que, numa recente entrevista à revista Visão, defendia que «é possível ser feliz sozinho».
Acredito sinceramente que é muito melhor viver com alguém ou ter alguém do que estar só. Mas se assumirmos aquela premissa como uma possibilidade, então há um decréscimo da expectativa e tudo o que vier acima do esperado, contribuirá de forma mais decidida para alcançar a felicidade.


2 comentários:

flor disse...

Como eu te compreendo... eu também vi essa reportagem da felicidade e para mim a felicidade assenta sem dúvida numa família feliz... ultimamente, mesmo sem querer, andei a focar-me mais na família que cria construir e sem dúvida que as espectativas criadas foram mais que muitas... e depois a frustação de saber o que se perde e da não concretização de todo um conjunto de sonhos e promessas é totalmente demolidor... mas começo definitivamente a compreender que a felicidade continua à nossa espera... e aquilo porque tanto lutávamos antes, por pensarmos que era o caminho certo, não foi senão uma distracção ou um pequeno desvio no caminho que nos levará à verdadeira felicidade...

Anónimo disse...

É sempre bom ter algumas expectativas.
A maioria das pessoas prefere procurar a felicidade ao lado de alguém do que sozinhos/as, o que não sendo impossível, é mais dificil para a grande maioria das pessoas.
Beijinhos